ao manter o enem, governo aposta na elitização da educação pública e na implementação de agenda dos piratas do ensino
Escrito por Guilherme Martins. Educador popular e militante do PCB.

COVID-19 – CATALIZADOR DE CRISES
O surgimento do COVID-19 e sua rápida e implacável expansão pelo globo impulsionaram um processo de crise econômica e instabilidade política em escala global. Catalisadora da ação imperialista sob os países da periferia do capitalismo, em território brasileiro a pandemia tem mostrado-se avassaladora, atingindo o país no momento em que as diversas frações golpistas disputam quem encabeçará a implementação do programa político que articulou o Golpe de 2016 e que tem hegemonizado a disputa política no país desde então [1].
A crise sanitária causada pela pandemia, somada ao necessário isolamento social, ampliaram a crise econômica pela qual o país passa e tornaram mais difíceis a implementação de parte da agenda neoliberal extremada, criando insatisfação em diversos setores da burguesia. Pressionado pelos empresários, Bolsonaro é obrigado a ampliar o caráter antipopular de seu governo, tomando ações que pauperizam ainda mais os trabalhadores enquanto beneficia largamente as classes dominantes, mas tenta contrabalancear as ações nefastas contras os trabalhadores ampliando a mobilização do grupo ideológico bolsonarista/fascista, buscando ampliar seu apoio dentre às camadas dominantes, e carregando ainda mais suas intervenções sob uma perspectiva messiânica.
A PARTILHA DA EDUCAÇÃO
O campo da educação é expressão dessa série de frações que compõem o campo golpista. Por um lado, os empresários da educação avançam vorazmente sob o ensino fundamental, médio e superior. Grandes conglomerados da educação como o grupo Kroton-Anhanguera financiam diversas organizações que fazem lobby junto à políticos e criam campanhas propagandísticas para divulgar a ideologia neoliberal sob pretextos como empreendedorismo e empoderamento, como o grupo Todos pela Educação, mantido pela Fundação Lemann, criada pelo empresário mais rico do Brasil, Jorge Lemann. Porém, saiu vitorioso e conquistou o Ministério da Educação do governo Bolsonaro o grupo ideológico bolsonarista, sob o auspício do guru Olavo de Carvalho, mas também influenciado pelo neopentecostalismo, pela “nova” direita e ultradireita sulista estadunidense, pelo militarismo e pelo fascismo e nazismo. Essa diversidade de influências, mesmo que aparentemente confusa, articula-se a partir de um eixo muito claro: a cultura e a educação devem ter um caráter elitista, baseado numa perspectiva de “avanço civilizatório” conservador/reacionário contra a “barbárie” associada à modernização e à qualquer movimento progressista que articule-se contra os valores “ocidentais”, representados nessa concepção pela supremacia branca, do patriarcado e de outros valores aristocráticos, segundo os quais qualquer tentativa de rompimento com essas característica basilares acima descritas representa uma tentativa de “imposição do socialismo”. Essa perspectiva é expressada desavergonhadamente e quase que cotidianamente, sejam nas posições da ministra Damares, do presidente da Fundação Palmares Sérgio Camargo, da secretária Regina Duarte, do ex-presidente da Funarte Dante Mantovani e, sobretudo e inclusive, nas ações de inspiração nazista de Roberto Alvim.
ENEM NA MIRA
O Exame Nacional do Ensino Médio encontra-se sob as pressões da ala bolsonarista desde antes das eleições de 2018, já que o campo da educação é central para a consolidação da perspectiva fascista que Bolsonaro busca implementar. Nos últimos meses o ENEM volta a ser alvo do governo. A imposição do isolamento social fez com que o sistema educacional parasse de funcionar, já que as atividades pedagógicas provocam substancial movimentação de pessoas e, portanto, sua manutenção poderia agravar a crise sanitária. Contudo, mesmo sob o caos provocado pelo vírus, o governo insiste em manter o calendário do ENEM.
Os motivos são claros: o ensino médio brasileiro é orientado ao exame vestibular, portanto, ao cancelar a realização do ENEM o governo federal poderia provocar evasão em massa de alunos das escolas privadas, diminuindo drasticamente a arrecadação das empresas do setor. Por outro lado, o ENEM é utilizado importante para a entrada nas universidades privadas também, já que é critério de seleção para aqueles que pretendem conseguir uma bolsa pelo FIES. Ou seja, a não realização do ENEM também impediria que as empresas de ensino superior tenham acesso aos recursos das bolsas pagas pelo governo, que representam parte importante da ocupação de vagas nessas faculdades privadas. A manutenção do ENEM durante a pandemia também beneficia as perspectivas elitistas na educação, pois em meio à grave crise social, econômica e sanitária os estudantes oriundos da classe trabalhadora não tem as mínimas condições de isolamento e prevenção, que dirá de estudo.
POR UMA UNIVERSIDADE POPULAR
Não podemos aqui ignorar o caráter segregatório que os exames vestibulares impõe ao acesso dos trabalhadores à Universidade Pública. O acesso ao ensino formal no Brasil sempre foi orientado pela necessidade das classes dominantes em manter os sucessivos sistemas sócio-econômico-cultural-institucionais que formaram a sociedade brasileira durante todo seu desenvolvimento histórico, em prol da exploração de uma maioria esmagadora de trabalhadores por um punhado de empresários. A classe trabalhadora brasileira, por mais possibilidades que tenham tido de acesso ao ensino superior público nos últimos 20 anos, continua majoritariamente excluída da educação superior pública. Quando inserida na Universidade Pública, os estudantes oriundos da classe trabalhadora são bombardeados pela ideologia empreendedora e pós-moderna para que não compreendam a orientação do ensino brasileiro e ocupem um papel de trabalhador alienado no ciclo de produção e reprodução do capital. Portanto, é imperativo que a Universidade Pública torne-se uma Universidade Popular, atenda a classe trabalhadora e forme-a sob perspectiva de transformação social que busque desalienar o trabalho e a organização social.
Portanto, é preciso que o ENEM 2020 seja suspenso até que a crise sanitária causada pelo novo Coronavírus seja superada e existam condições mínimas não apenas para a realização da prova, mas também para que os estudantes preparem-se de forma adequada, com aulas presenciais regulares e material didático que forneça suporte pedagógico.
[1] Seguimos aqui a linha de análise consolidada nos encontros da Escola de Formação Socialista (EFS), expressas em diversos textos da EFS e seus integrantes, como o recente “Bolsonaro aposta no caos, apresenta suas armas e continua na cadeira, sem máscara!”, escrito por David Maciel, em 17/04/2020. https://pcbgo.org/2020/05/14/bolsonaro-aposta-no-caos-apresenta-suas-armas-e-continua-na-cadeira-sem-mascara/, acesso em 14/05/2020.As versões consolidadas das análises de conjuntura periódicas realizadas pela EFS podem ser consultados através do site http://escoladeformacaosocialista.blogspot.com.
Parabéns Guilherme! Ótima análise!
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