PARA COMPREENDERMOS COMO HO CHI MINH PENSOU E ORGANIZOU A LUTA REVOLUCIONÁRIA NO VIETNÃ, PRECISAMOS ANTES COMPREENDER O HISTÓRICO DE SEU PAÍS DE ORIGEM.

Escrito por Guilherme Martins. Educador popular e militante do PCB.
O presente texto é o primeiro dentre outros que serão publicados nos próximos dias em homenagem aos 130 anos de nascimento de Ho Chi Minh, completados no último dia 19 de maio. Nesse artigo, buscaremos trazer elementos para compreendermos a história do Vietnã.
A Península Indochinesa é composta por três países: Laos e Camboja (com maior influência hindu) e Vietnã (com maior influência chinesa). O maior entre eles, o Vietnã, é um país de grande extensão vertical, mas estreito horizontalmente – principalmente na região central –, composto por três regiões: Bac Bo/Tonkin, ao norte, onde está a foz do Rio Vermelho e a região mais montanhosa; Trung Bo/Anam, no centro, onde se encontra uma planície entre montanhas e uma estreita faixa litorânea; e Nam Bo/Cochinchina, ao sul, onde está o delta do Rio Mekong. A Cordilheira Truong Son, percorre praticamente toda a extensão do país, com exceção de parte da região de Anam. Conhecida em português como Montanhas Anamitas, também se erigem no Laos e, em menor parte, no Camboja. A cultura do país é permeada pelas influências, desde tempos imemoriais, do confucionismo e do budismo, dada sua estreita ligação – inclusive geográfica – com a China.

A interessante posição geográfica da Península Indochinesa logo atraiu a atenção do colonialismo chinês, que pesou já no século I A.C. sob o povo que ali residia. A resistência às invasões estrangeiras durante toda a história da península criará, em determinados momentos, a necessidade de conjugação de forças entre as classes aristocráticas, ora decadentes, e seus servos, criando ferramentas de ação/intervenção baseadas “cooperação de classe”, a partir de linhas gerais como “todo o povo combate o agressor” [1] e “todo o povo é soldado” [2], possibilitando o desenvolvimento, em determinados momentos históricos, de métodos de luta de guerrilha inovadores, a exemplo da “estratégia de longa duração” arquitetada por Trieu Quang Phuc, nobre do século VI [3], durante a chamada Segunda Dominação Chinesa (séc. I até VI). Apesar de terem conseguido repelir seus agressores em alguns momentos, a luta contra os estrangeiros permaneceu uma constante durante os séculos, fazendo com que os combatentes vietnamitas continuassem a desenvolver formas de organização, como na época das “aldeias de resistência”, ou quando criaram diferentes categorias de tropas para atuarem em diferentes níveis de batalha, e desenvolveram a orientação “todo o povo conjuga suas forças” [4], todas desenvolvidas entre os séculos XIII e XV [5]. Não podemos deixar de ter em consideração, porém, que o desenvolvimento dessas inovações/possibilidades organizacionais não foram acumuladas initerruptamente durante os séculos, tendo esse processo se desenvolvimento também a partir de uma faceta de quebras de conhecimento. A dimensão político-organizacional-cultural que pode emergir dessa análise de fatos históricos e permitir sua reinterpretação à luz de novos conceitos e categorias e sob uma orientação política militante marxista-leninista aparece de forma muito clara na obra de Vo Nguyen Giap, a quem talvez seja possível ser dado o mérito de ser o primeiro a tê-lo feito de forma tão criativa e eficaz.
Mesmo que as rebeliões e revoltas contra a dominação colonial fossem extremamente constantes em toda a área dominada e durante praticamente todo o período pelo qual a região viet da península foi ocupada, local de especial revolta é a região norte da província de Trung Bo, chamada Nghe Tinh [6]. Foi de lá que emergiu a revolta comandada por Mai Thúc Loa, chamado de Imperador Negro, chefe de uma rebelião camponesa que conseguiu libertar o país durante toda uma década do século VIII, sendo a maior revolta da época conhecida como a 3ª Dominação Chinesa (séc. VII ao X). Foram de regiões perto de Nghe Tinh que surgiram também as revoltas comandadas pelos membros da nobreza chamados Le Loi e Nguyen Trai, seu mentor. Le Loi, vitorioso após uma década de combates contra a Dinastia chinesa Ming, deu início ao segundo Dai Viet (Grande Viet) (1428-1804) e à chamada Segunda Dinastia Le. Foi, provavelmente, o inventor da tática dos “caminhos da montanha”, que evitava os chineses na planície utilizando a cordilheira Truong Son [7]. Já Nguyen Trai, acadêmico confucionista e político hábil, tinha especial atenção para o que chamava de “ofensiva psicológica”, realizando trabalhos de agitação junto às fileiras inimigas e suas tropas, procurando quebrar a moral das tropas inimigas. Estima-se que 100 mil soldados desertaram ou juntaram-se às tropas de Trai [8] durante a guerra.
Após um período de relativa unificação interna e autonomia durante a Segunda Dinastia Le, a península indochinesa entra no radar europeu. Já no século XVII os missionários jesuítas adentrarão o solo viet, e esse movimento se avolumará até que, no século XIX, seguindo o movimento imperialista europeu de dominação do oriente, a segurança dos missionários presentes na península será utilizada como desculpa pelo governante francês Napoleão III para iníciar à ocupação “formal” do território vietnamita em 1858. Após 26 anos de batalhas e em plena vigência do Tratado de Berlim (1878), o governo francês termina de ocupar oficialmente a península. Entretanto, a fase mais aguda da resistência dura mais 14 anos, indo até 1898.
É nesse cenário de insatisfação com o colonialismo francês e revolta popular, na já comentada província de Nghe An [9], que nasce em 1890 Nguyen Sinh Cung [10], futuramente conhecido como Ho Chi Minh. Membro de uma família de nacionalistas [11], o do jovem Cung mantinha contato próximo com Phan Boi Chau [12], um dos pioneiros do movimento nacionalista viet no século XIX, fundador de diversos grupos de diferentes orientações políticas mas que tinham em comum um nacionalismo embrionário. Ao iniciar seus estudos na cidade de Hue, em 1907, o jovem Cung estreita seus laços com os movimentos nacionalistas. É nesse mesmo colégio que estudará anos mais tarde, mais exatamente a partir de 1925, o jovem Vo Nguyen Giap [13].
[1] (Vo Nguyen Giap, Armamento das Massas Revolucionárias, Edificação do Exército do Povo, 2016. Editora Nova Cultura)
[2] (Vo Nguyen Giap, Armamento das Massas Revolucionárias, Edificação do Exército do Povo, 2016. Editora Nova Cultura)
[3] (Vo Nguyen Giap, Armamento das Massas Revolucionárias, Edificação do Exército do Povo, 2016. Editora Nova Cultura)
[4] (Vo Nguyen Giap, Armamento das Massas Revolucionárias, Edificação do Exército do Povo, 2016. Editora Nova Cultura)
[5] (Vo Nguyen Giap, Armamento das Massas Revolucionárias, Edificação do Exército do Povo, 2016. Editora Nova Cultura)
[6] A região de Nghe Tinh teve esse nome entre 1976 e 1991. Atualmente (1991-2017) a região é dividida em duas: Nghe An e Ha Tinh. Essas duas regiões também formaram essa mesma área de 1831 até a invasão francesa que se inicia em 1858.
[7] (Jean Lacouture, Ho Chi Minh, 1979. Editora Nova Fronteira)
[8] (Vo Nguyen Giap, Armamento das Massas Revolucionárias, Edificação do Exército do Povo, 2016. Editora Nova Cultura)
[9] Ver nota 6.
[10] Dada a característica da mudança constante de nomes e da falta de registros mais detalhados o primeiro nome utilizado por Ho Chi Minh foi motivo de questionamentos, aparecendo de diversas maneiras.
[11] Além da influência de seu tio, também sua irmã mais velha e seu irmão, ambos militantes nacionalistas, teriam influenciado Ho Chi Minh (Lacouture, 1979).
[12] Virgina Morris, Ho Chi Minh’s Blueprint for Revolution, 2018. McFarland & Company Publishers.
[13] Ho Chi Minh e depois Giap estudaram na mesma escola (de nome Liceu Nacional, Lycee Nacional, ou Quoc Hoc) que viriam também frequentar anos mais tarde Pham Van Dong (primeiro ministro do Vietnã do Norte entre 1954 e 1976, seguindo como primeiro ministro do Vietnã unificado até 1987) e até Ngo Dinh Diem (Presidente do Vietnã do Sul entre 1955 e 1963).