
Escrito por Daia Borges
O filme “O Salão de Jimmy” foi dirigido por Ken Loach, o renomado diretor inglês conhecido pelos incontáveis filmes produzidos a partir de um posicionamento político marxista, boa parte, centrada nas condições de vida da classe trabalhadora da Grã-Bretanha. O filme é baseado em fatos reais que foram narrados na peça “Jimmy Gralton’s Dancehall”, de Donald O’Kelly.
A história se passa em 1932, na cidade de Leitrim, em um contexto de pós-guerra civil da Irlanda (República da Irlanda) travada entre nacionalistas irlandeses – as forças do novo governo do Estado Livre, apoiadores do Tratado anglo-irlandês – e os republicanos – para quem o Tratado representava uma traição da República da Irlanda –, entre 28 de junho de 1922 e 24 de maio de 1923. Nesse contexto, o filme narra à incrível trajetória do carismático personagem James Gralton (Barry Ward), apelidado de Jimmy, um líder comunitário de filiação comunista, que durante o período da grande depressão norte-americana retorna a Leitrim, sua terra natal, após 10 anos de exílio em Nova York, em virtude de conflitos com latifundiários locais por defender a liberdade de expressão e educação cultural. O personagem é recebido por amigos, familiares e camaradas que comemoram a recém chegada.
Inicialmente, Jimmy pretende levar uma vida tranquila, cuidando da mãe viúva e da terra da família, mas jovens da cidade e amigos, cansados de ter suas vidas controladas por um governo reacionário e uma Igreja Católica ultra-conservadora, insistem na reabertura do “Salão”. Com a reabertura, as pessoas passam a se encontrar, e, sobretudo os jovens que eram proibidos de dançar, passam a frequentar esse centro cultural popular para estudar artes, desenho, literatura, recitar poesias, dançar, aprender artesanato e discutir idéias políticas libertárias. Eram também discutidos salários mais justos e organizadas lutas para proteger famílias arrendatárias despejadas das terras que ocupavam por retaliação da Igreja Católica somada à ganância da aristocracia e da burguesia latifundiária.
O filme de Ken Loach retrata a luta de classes em sua forma dura, com despejos, perseguições, violência policial, agressões verbais, boicotes aos trabalhadores associados aos ideais socialistas e contrários às ideias conservadoras, reacionárias e fascistas dominantes naquele contexto. O filme também expressa a idéia de que a integração entre diversão e política e educação e cultura, quando desenvolvidas nas periferias, favelas ou comunidades rurais, é intolerável para as classes dominantes e o seu Estado, normalmente associados a igrejas repressivas, posto que procuram impor uma sociedade fundamentada em patrões e trabalhadores, em “pastores” e “ovelhas”. Essa realidade foi demonstrada na posição assumida pela Igreja Católica quando impõe a Jimmy, como condição para admitir a existência do Salão e terminar as perseguições, que o mesmo fosse entregue à Igreja, isto é, encerramento das perseguições ocorreria mediante o sacrifício do espaço como impulsionador de liberdade, conhecimento, cultura e saberes profissionais. Enfim, o filme evidencia que para as forças e instituições sociais conservadoras, reacionárias e fascistas é inadmissível uma sociabilidade que não esteja fundada na desigualdade, no imperativo da ordem social burguesa, na repressão e na autoridade religiosa.
O filme também se constitui em referência para forças políticas e militantes que desejam desenvolver trabalho de base em comunidades urbanas e rurais. Para além de aspectos políticos, educacionais, culturais e de diversão, emergem planejamento, formas organizativas e autosustentação material do “Salão”.
Historicamente, a trajetória e luta de James Gralton e sua influência positiva no Condado de Leitrim à época foi uma referência importante da luta de resistência contra as forças conservadoras, reacionárias e fascistas – aristocratas e burgueses latifundiários, políticos de extrema direita, religiosos ultra-conservadores e oficiais de polícia. Foi preso em 09 de fevereiro de 1933, sendo deportado logo em seguida de sua terra natal, voltando a residir em Nova York. Seus camaradas de Leitrim e outros grupos de trabalhadores revolucionários viriam a formar o Partido Comunista da Irlanda em 1933.
James Gralton morre em Nova York, em dezembro de 1945, sem nunca ter podido retornado ao seu país.