Escrito pela docente da UEG/Anápolis, Sandra Rodart Araújo*
A divisão do texto em partes ocorre apenas devido à extensão do documento. A segunda parte pode ser lida clicando aqui. Boa leitura!

“Diante de centenas de pessoas, pouco antes de seu corpo baixar ao túmulo, o ator Carlos Vereza, em voz baixa, mandava a seguinte mensagem ao amigo Oduvaldo Vianna Filho: “Vianinha, queremos falar em nome de todos aqueles que, como você, sempre acreditaram que o homem pode tudo na terra. Que é ele que constrói as máquinas, muda a História e luta para preservar a liberdade de todos os homens. Você foi um deles, e é esta a herança que você nos deixa, que faz com que você esteja sempre entre nós”.
Jornal do Brasil Rio, 17 de julho de 1974
Por um teatro nacional!
Oduvaldo Vianna Filho faria neste mês de julho 84 anos. Vianinha, como era chamado por todos, foi incansável na tarefa de discutir a realidade brasileira. Dedicou a sua breve vida ao constante questionamento do papel da arte e a construção de um teatro que se pretendia popular. Nos tempos sombrios que nos abalam, a sua atualidade é espantosa.
Vianna escreveu peças, atuou e participou ativamente dos debates de sua época. Filho de Deocélia Vianna e do teatrólogo Oduvaldo Vianna, de quem herdou além do nome o gosto pelo teatro e pela militância política. Vivenciou, desde cedo, as condições necessárias para sua carpintaria teatral. Como ator e dramaturgo participou da efervescência e diversidade das manifestações culturais do teatro brasileiro das décadas de 1950, 1960 e 1970. Momento em que se afirmavam os autores brasileiros. É no calor destas manifestações e parte integrante delas que a obra de Oduvaldo Vianna Filho se encontra.
Para celebrar seu aniversário de nascimento este texto lança luzes sobre aspectos da sua obra. A narrativa apresenta o Vianinha artista/militante, compreendendo-o como um homem do seu tempo. Investiga sua produção teatral engendrada nos seus posicionamentos políticos.
Os problemas de incentivo da arte no Brasil, denunciados por Vianinha e sua geração, os precedem e sucedem em uma constante que persiste até os nossos dias, e, dentro do problema, as artes cênicas têm lugar especial[1]. Como disse o crítico de teatro Sábato Magaldi “ninguém, infelizmente, nos ensinou a amar o teatro brasileiro”. Por isso, mesmo nos meios intelectualizados é recorrente o debate de que uma peça ou texto de teatro é datado. Falta-nos, tanto investimento na produção e encenação de peças, quanto no debate crítico. Vianinha é nosso contemporâneo! É nossa responsabilidade a construção deste cânone. Seus textos continuam vivos, suas obras não foram suficientemente discutidas. Assim como não o foram Shakespeare e Sófocles.
O primeiro contato de Vianinha com o teatro foi por meio do grupo amador TPE[2] (Teatro Paulista de Estudantes). A idéia inicial de formação do TPE partiu do PCB (Partido Comunista Brasileiro) com a intenção de arregimentar os grupos secundaristas. Com este intuito foram convocados Vianinha e Guarnieri, que até então não se conheciam, com a tarefa de montar um grupo de teatro amador. As atividades do TPE foram impulsionadas pelo contato com peças do TBC e fundamentalmente, pela aproximação com o diretor italiano Rugerro Jacobbi que incentivou o grupo a promover um teatro calcado em preocupações sociais, um teatro que se pretendia nacional e popular, além de realçar a necessidade de uma formação intelectual consistente.
Contudo, logo na primeira encenação do grupo, Vianinha e Guarnieri, não ficaram satisfeitos com o pouco teor ideológico promovido pela peça de estreia: Na rua da igreja de Lennox Robinson. Assim, o racha no grupo mostrou-se inevitável. Nas palavras de Guarnieri: “imagine que surgiu uma oposição contra nós dentro da estrutura recente do TPE. Sentíamos que havia muito preconceito contra qualquer coisa que cheirasse a partido” (MORAES, 2000, p. 54). Deste modo, a idéia de um teatro ligado a um partido e que se propunha popular fez com que aos poucos os integrantes fossem cada um seguindo seus caminhos. Guarnieri e Vianinha continuaram no grupo buscando o aprofundamento das ideias que Jacobbi os apresentou.
O desenvolvimento deste trabalho fez com que o grupo entrasse em contato com o Teatro de Arena [3], fundado em 1953, por alunos formados pela Escola de Arte Dramática (EAD) tendo como figura central José Renato. A união entre os dois grupos (TPE e Arena) foi fundamental para os encaminhamentos das propostas do Teatro de Arena posteriormente.
O Teatro de Arena firmou-se como um dos principais expoentes da cultura de esquerda naquele momento. E a partir da sua fusão com o TPE mudou seus direcionamentos com o intuito de promover um teatro que chegasse ao público de forma mais efetiva, um teatro que discutisse os problemas da realidade brasileira e que levasse a pensar. As novas propostas empreendidas pelo grupo se deveram, primordialmente, pela incorporação de Augusto Boal[4], que recém chegado dos Estados Unidos trouxe ideias que se mostraram fundamentais para a formação intelectual e estética do grupo.
Assim, suas atividades se pautaram na produção de peças de autores nacionais, e os exercícios de interpretação baseados no método de Stanislavski causaram grandes mudanças nas concepções cênicas do grupo. Nos encaminhamentos de suas atividades procurava deixar claro a necessidade de aprofundamento estético, que é entendido como uma aproximação cada vez maior do político, ou seja, a fruição buscada no público seria tanto mais complexa e proveitosa quanto maior a elaboração estética do espetáculo. Segundo Vianna, nos laboratórios de interpretação utilizando o método Stanislavski “o ator procura sentir, cada vez com mais profundidade, com um contexto humano cada vez maior, a emoção específica que vai gerar símbolos que, organizados, vão transmitir a mesma experiência ao espectador” (VIANNA FILHO,1999, p. 28)
Contudo, o salto estético vivenciado pelo Arena, o enorme sucesso nas suas excursões pelas cidades Brasileiras (principalmente o Nordeste) e os aplausos de crítica e público não coincidiam com a situação econômica do grupo, que era empurrado a fechar as portas. É nesse contexto de crise financeira que Guarnieri apresenta sua primeira peça: Eles não usam Black-Tie [5], que José Renato escolhe para fechar com chave de ouro as atividades do Teatro de Arena, porém, como já alardeava a crítica, Black-Tie ao invés de fechar as portas da “Teodoro Bayma” inaugura uma nova fase da dramaturgia nacional.
É em meio ao sucesso da encenação de Black-Tie e a ideia constante de um teatro nacional que o Arena inicia os Seminários de Dramaturgia comandados por Boal. Os Seminários tinham como objetivo além de leituras sobre teóricos do teatro, como Brecht, Stanislavski, Piscator, dentre outros; discutir as peças escritas por autores nacionais, principalmente, os integrantes do Arena.
Este breve histórico das atividades do grupo até 1958 é fundamental para entender as ideias de Vianna e como nesse momento constrói um valioso repertório para o seu saber teatral. É, sem sombra de dúvidas a partir das discussões do Seminário de Dramaturgia que as primeiras peças do autor nascem.
Assim, a encenação de Black-Tie possibilita ao grupo desenvolver plenamente as ideias de um teatro que mergulhe na realidade nacional. Segundo Vianna, este é o momento de definição para o teatro brasileiro, momento de desvencilhar-se do teatro produzido antes de 1945 que se mostrava “tradicionalmente ligado ao processo comercial de sobrevivência, e resolvia-se relativamente dentro de si mesmo” (VIANNA FILHO, 1999, p. 28), ou seja, marcado, assim como a economia por uma importação da realidade estrangeira. O processo cultural principalmente no que diz respeito ao teatro é completamente alienado da realidade brasileira e marcado por peças estrangeiras que não dizem respeito aos problemas sociais vivenciados pela sociedade.
Para Vianna, o ano de 1945 marca o momento de renovação deste teatro de imitação e “para isso é necessário afastá-lo novamente da característica econômica que ele tem” (VIANNA FILHO, 1999, p. 29). Ou seja, o teatro começa a mostrar uma independência, mas somente no que diz respeito à atualização formal “sem uma correspondência cultural específica, nascida da verificação da realidade – mas imposta através de cânones consagrados fora da vida brasileira” (VIANNA FILHO,1999, p. 28).
Neste seu primeiro artigo é percebida uma linha de pensamento que marcará toda uma gama de reflexões desenvolvidas pelos integrantes do Teatro de Arena. Principalmente nos textos de Vianna este histórico referente às atividades teatrais brasileiras, antes e depois de 1945, serão vastamente retomadas. O ano de 1945, entendido como revolução formal para a cena brasileira, coincide com o início das atividades do Teatro Brasileiro de Comédia [6]. O TBC mostra-se como primeira companhia fixa que contribui para a profissionalização do fazer teatral. Neste sentido, o que será recorrente a partir de 1958 nos escritos produzidos no Arena será a crítica ao TBC, fundada no princípio de que este teatro se mostra irremediavelmente burguês, um teatro que se pauta na encenação de textos estrangeiros, que não correspondem à realidade brasileira. Assim, a necessidade de renovação e superação deste teatro burguês marca o que será fundamental para o Arena:
O Teatro de Arena situa-se historicamente neste momento. Sofrendo da mesma alienação – mas consciente dela, verificando seu grau no teatro brasileiro – tenta uma integração maior – uma participação realmente objetiva sobre a realidade, procura de suas componentes – sua determinação social e cultural. E consegue, até aqui, um salto no espetáculo – que realmente procura uma participação emocional da plateia – uma integração, através de símbolos que têm correspondência na sua realidade (VIANNA FILHO, 1999, p. 27).
Esta urgência de mudança nas diretrizes do teatro brasileiro, Vianna retoma novamente em outro texto. Por meio das várias encenações de Pirandello no Brasil volta a fazer um mapeamento do teatro pós-1945, entendendo como os textos do autor são reapropriados em favor dos interesses do momento histórico. Segundo ele, montar Pirandello neste momento era até justificável, pois, ele reafirma uma idéia desenvolvimentista[7], dá subsídios para que uma burguesia que ainda não criou seus próprios modos de diversão se enxergue nas peças.
Pirandello, ao mesmo tempo que prestigiava o conhecimento, negava a ação e a prática social, ignorava a luta de classes; chancelava o individualismo, a sagacidade, a rapacidade, a omissão, o silêncio.(…) (Pirandello, no Brasil, era praticamente utilizado contra a sua própria temática; daí a inconsistência artística dos espetáculos que o representavam). (VIANNA FILHO, 1999, p. 33).
Neste sentido, a crise do teatro brasileiro coincide com a crise econômica da sociedade brasileira, pois, é a partir deste momento que as ideias de desenvolvimento atingem seu ápice, o que foi causado pelas transformações das formas capitalistas de produção, ou seja, o surgimento de grandes grupos monopolistas. Assim, o público também se transforma e consequentemente o burguês que frequentava os teatros e que faziam deste o local de mostrar-se, agora encontra novas formas de diversão. Mas o teatro continua encenando Pirandello!
O Público caixa-alta que amamentou e prestigiou esse teatro há muito o abandonou. A alta sociedade cria suas próprias instituições de divertimento e cultura, com mais dinheiro, importa artistas internacionais, torna-se, ela mesma, centro de atenções, de colunas sociais, de reportagens que a faz tão ou mais famosa que os artistas que aplaudiram. (VIANNA FILHO, 1999, p. 33).
O que Vianna aponta é que este teatro não procura mudanças, continua atrelado às formas que lhe davam sustentação: o público, as subvenções, verbas do estado etc. Mas o público não mais comparece. Para ele, este é o momento em que o teatro deve ousar mais, e esta ousadia só é possível se o teatro parar de se preocupar com as questões econômicas e deslocar o problema para o seu aspecto ideológico, que quer dizer fazer um teatro que crie outras formas de conhecimento, que mergulhe na verdadeira realidade brasileira.
Neste momento, é preciso ressaltar que o TBC se constituiu uma referência para a cena teatral brasileira. Ele tem o mérito de profissionalizar o teatro e criar bases sólidas de uma tradição de arte brasileira. Além do que, não é só marcado pela importação de cânones indiferentes à realidade brasileira. Pelo contrário, levou aos palcos peças de consagrados autores nacionais, peças que definitivamente estavam conectadas à realidade nacional. Textos como A Semente de Gianfrancesco Guarnieri, O Pagador de Promessas de Dias Gomes, A Moratória, Vereda das Almas, Os Ossos do Barão, dentre outras de Jorge Andrade – constituíram um rico repertório nacional. Espetáculos que mesmo não explicitamente engajadas politicamente, como no caso de Jorge Andrade, verificavam a fundo os problemas inerentes ao nosso país.
Assim, as críticas feitas ao TBC devem ser entendidas como pertencentes a um momento histórico de efervescência cultural. Onde seus agentes precisavam criar subsídios para afirmar um teatro político. É claro que estas observações não têm o intuito de desmerecer nenhum dos grupos citados (Arena e TBC), mas entendê-los historicamente, percebendo suas contradições, acertos e erros. Também é preciso realçar que o olhar do presente é privilegiado, já que conhece o desenrolar dos fatos, e por isso, é importante entender o significado destes textos de crítica naquele momento. A importância do TBC na cena teatral brasileira é verificada pelos próprios integrantes do Arena posteriormente. Vianna, retoma estes questionamentos em 1968 em um de seus artigos mais discutidos[8].
A fase de euforia do Arena, marcada pelo desenvolvimento dos Seminários de Dramaturgia e encenações de autores nacionais logo esbarra em um problema que tende a perseguir o teatro brasileiro em toda sua história: a questão financeira. Este problema implicou em um confronto de posicionamentos dentro da equipe, principalmente entre Vianinha e José Renato. Para Vianna, era fundamental que o Arena se aproximasse de entidades que pudessem lhe dar subsídios financeiros e ao mesmo tempo que compartilhassem as propostas ideológicas como o PCB (Partido Comunista Brasileiro) e o ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), conservando a idéia de equipe. Mas para José Renato tal perspectiva não funcionava, acreditava ser necessário repensar o papel do Arena e, assim, fundamental a idéia de um empresário.
Para Vianna, o Teatro de Arena encontrava-se em uma fase capital. O momento em que o primeiro passo, em busca de uma forma estética, de um teatro que falasse a realidade brasileira e da realidade brasileira, havia sido dado; mas era necessário o aprofundamento teórico, o estudo, era o momento do segundo passo em busca da definição de objetivos. Para ele as peças apresentadas até aquele momento faziam parte de “um teatro determinista que se basta em seguir os processos e as causas de um fato inevitável.” (VIANNA FILHO, 1999, p. 61). Assim, faz críticas tanto a Black-Tie e Chapetuba Futebol Clube[9], apontando para os seus esquematismos e relações de causa e efeito e chamando para a necessidade de um aprofundamento.
Assim, por meio dos seus questionamentos “Vianinha procura definir um significado político-cultural para o trabalho, no esforço de elaboração de um teatro capaz de pronta e eficaz intervenção na realidade objetiva.” (VIANNA FILHO, 1999, p. 79). Procura assumir uma postura não separatista, buscando nas contradições do grupo imprimir uma mudança nos encaminhamentos. Contudo, a sua saída foi inevitável. E as prerrogativas de um teatro popular para um público popular vão ser desenvolvidas no CPC (Centro Popular de Cultura), do qual Vianna foi um dos fundadores.
Teatro Popular: os limites estéticos de uma arte revolucionária
A saída de Vianna do Teatro de Arena se deveu, além das discordâncias quanto às questões econômicas e consequentes rixas com José Renato, pela busca de um teatro que falasse ao povo. “O Arena era porta-voz das massas populares num teatro de cento e cinqüenta lugares.” (VIANNA FILHO, 1999, p. 93). Assim, se desliga do Arena e se transfere para o Rio de Janeiro, onde funda o CPC[10].
É interessante notar que, se nos últimos tempos ainda integrante do Arena, Vianna chama a atenção para a necessidade de aprofundamento, a necessidade de uma arte que não fique no superficialismo – apontando inclusive, para os limites de Chapetuba e Black-Tie – Já no CPC, traz à baila uma outra questão: até que ponto a arte atinge verdadeiramente o público? Para Vianna, este público só será atingido se a arte for em escala industrial, ou seja, para arregimentar as massas é preciso que as peças sejam encenadas para grandes públicos. Isto o Arena não conseguia.
Não que o Arena tenha fechado seu movimento em si mesmo; houve um raio de ação comprido e fecundo que foi atingido com excursões, com conferências etc. mas a mobilização nunca foi muito alta porque não podia ser muito alta. (…) O Arena contentou-se com a produção de cultura popular, não colocou diante de si a responsabilidade de divulgação e massificação. (VIANNA FILHO, 1999, p. 93).
Diante disso, o sentido da arte deveria mudar, se antes os grupos viviam em torno de artistas, autores reconhecidamente bons, de agora em diante o que deve vir à tona, nas palavras de Vianna, são os artistas e autores colocando-se em disposição do processo de formação cultural das massas, pois isso era o fundamental. Em segundo lugar, a questão formal é imprescindível para o entendimento da arte e neste momento retoma Black-Tie para exemplificar o quanto conseguiu atingir seus objetivos, ou seja, o entendimento do público. Neste sentido,
Todos os dados para que o espectador seja sensibilizado por uma peça devem estar dentro da própria peça. Não pode haver cenas, acontecimentos, personagens, situações que necessitam de uma visão de mundo que esteja acima e fora do mundo teatral criado. As peças ideologicamente perfeitas podem ser mudas para o povo se não lhe dão meios para a compreensão. É preciso um teatro ajustado à capacidade intelectual do povo brasileiro. (VIANNA FILHO, 1999, p. 61).
Assim, Vianna delineia suas perspectivas para um teatro popular. Este teatro para atingir o povo deve partir de peças mais esquemáticas, peças que passem uma mensagem objetiva, visto que a intenção é ensinar, conscientizar. Neste sentido os personagens não devem ser tão elaborados, mas estereotipados. “Para isso é necessária a fábula. Diminuir os desenhos subjetivos dos personagens e inundar o palco de acontecimentos exemplares. Fazer teatro com evidências.” (VIANNA FILHO, 1999, p. 95).
Vianna antecipa uma discussão que se tornará questão central para os críticos do CPC: seus limites estéticos. Ou seja, suas peças no intuito de atingir as massas perdiam sua realização estética mais profunda. Assim Vianinha avalia os limites do CPC:
O teatro feito nessas circunstâncias esbarra, em primeiro lugar com o problema de locais apropriados que permitam a montagem de textos mais apurados, que exigem silêncio, luz, para que o espetáculo possa ter toda a dinâmica, todo o tempo necessário para ser transmitido em toda a sua plenitude. Ao mesmo tempo trata-se de teatro amador, conta com atores geralmente pouco experientes, sem técnica de voz, de corpo, suficientes para fazer passar textos mais complexos em tais circunstâncias. Na nossa experiência, preferimos agora tentar adaptar-nos a estas circunstâncias, às quais acrescem as características do público. Um público buliçoso, em condições geralmente não ideais para o espectador, flutuante etc., que não permite o estabelecimento de tramas e situações mais complexas. Somente um trabalho paulatino do teatro brasileiro, da classe teatral, das forças populares, poderá permitir o aparecimento de locais mais apropriados de teatros populares. Ao mesmo tempo, para grupos pobres, o problema de montagem de cenários, refletores, transportes etc., encarece demasiado a produção, limita a possibilidade de apresentação desses textos. O CPC da UNE resolveu-se inicialmente pela revista, procurando reavivar e manter uma tradição de sátira impiedosa, de crítica de costumes – espetáculos com quadros isolados, com uma ligação dinâmica que permita a permanente chamada de atenção do público, com música, poesia e as formas mais variadas que permitam sempre uma mudança no tom do espetáculo. Esta adaptação às condições objetivas nos parece fundamental em todo o tipo de realização de trabalho de cultura popular. (grifos nossos). (VIANNA FILHO, 1999, p. 98).
Para Vianna, é preciso rever os limites impostos a um teatro que se pretende popular, mas não consegue manter um público fiel. Este público flutuante não adquire consciência em um dia de espetáculo. A questão do público passa a ser uma constante nos problemas do teatro brasileiro, é interessante notar que no TBC o público desaparece, pois, a transformação das formas capitalistas cria outras formas de divertimentos. No Arena, ele se mostra fiel, constante, mas passa a ser insuficiente e mais ainda cúmplice, ou seja, um público que compartilha dos mesmos ideais. Então além de não atingir muitas pessoas o Arena não atinge um público popular.
Assim, o CPC vai às ruas, percorre o Brasil, mas o público esperado continua não sendo atingido, nas palavras de Vianna, este público flutuante não permite o aprofundamento das questões que sempre devem ser retomadas. E, quando Vianna indica a necessidade de criação de uma cultura popular, que parta efetivamente do âmago dos problemas sociais, que elucide as questões de dentro pra fora, isto se torna cada vez mais evidente neste momento, todavia, o CPC continua a “impor” de cima pra baixo esta cultura.
O CPC manteve-se fiel aos seus pressupostos até abril de 1964 quando a UNE é totalmente destruída em um incêndio, destruindo os projetos e sonhos de toda uma juventude. Os direcionamentos tomados pelos integrantes do CPC foram, na sua totalidade, conscientes. Mostrando-se como uma opção política frente aos problemas sociais vividos por aquela sociedade. Desta maneira, a crítica tão recorrente de que o CPC retrocede na questão artística em relação ao Arena mostra-se como uma reflexão simplista, negando a sua historicidade, e não sendo capaz de perceber as complexidades daquele momento histórico.
[1] No momento em que escrevo os últimos detalhes deste texto ouço a notícia de que o Governo Britânico anuncia plano de resgate ao setor cultural afetado pela pandemia, serão 2 bilhões de libras! Já na década de 1950, Vianinha apontava o risco do fechamento dos poucos estabelecimentos teatrais por falta de uma efetiva política de cultura no país. Durante os governos militares o estrangulamento do setor só piorou. Relendo seus textos teóricos sou tomada por um desalento histórico… O que vivemos agora, no Brasil, é o contrário daquele projeto de revolução artística pretendido por ele. Convivemos com uma política de desmonte ao pouco conseguido durante todas estas décadas no setor artístico.
[2] “Em 5 de abril de 1955, o TPE foi registrado oficialmente no cartório do 4o Registro de Títulos e Documentos de São Paulo, como sociedade civil de direito privado, sem fins lucrativos. Da ata de fundação, realizada na rua Santa Efigênia 269, apartamento 3, consta o nome de Jacobbi como presidente do TPE, por sugestão de Vianinha. Os 12 fundadores eram Gianfrancesco Guarnieri (presidente), Raimundo Duprat (Vice-presidente), Pedro Paulo Uzeda Moreira (primeiro-secretário), Júlio Elman (segundo-secretário), Oduvaldo Vianna Filho (tesoureiro), Vera Gertel, Diorandy Vianna, Mariúysa Vianna, Maria Stella Rodrigues, Henrique Libermann, Natacha Roclavin e Sílvio Saraiva. Os estatutos do TPE compreendiam nada menos que sete capítulos e 48 artigos.” In: MORAES, Dênis de. Vianinha cúmplice da paixão. Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 53.
[3] O Teatro de Arena inicia suas atividades em 11 de abril de 1953 com a peça Esta Noite é Nossa de Stafford Dickens. Seus fundadores José Renato, Geraldo Matheus, Emílio Fontana e Sérgio Sampaio faziam parte da primeira turma formada da EAD (Escola de Arte dramática). A idéia de um teatro em forma de Arena vinha ao encontro das aspirações do grupo que precisavam de um espaço que lhes abrisse novas expectativas, mas que as peças pudessem ser encenadas com um custo mais baixo. Assim, José Renato é quem idealiza o projeto inspirando-se em grupos norte-americanos que teriam realizado com êxito montagens em Arena. Outras informações sobre o Teatro de Arena podem ser encontradas em:
- Dionysos, Teatro de Arena. Publicação do Ministério da Educação e Cultura Sesc – Serviço Nacional de Teatro.
- MOSTAÇO, Edélcio. Teatro e Política: Arena, Oficina e Opinião (uma interpretação da cultura de esquerda). Rio de Janeiro: Proposta Editorial, 1982.
- MAGALDI, Sábato. Um palco brasileiro: O Arena de São Paulo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.
- PATRIOTA, Rosangela. História, Memória e Teatro: a historiografia do Teatro de Arena de São Paulo. In: MACHADO, Maria Clara Tomaz & PATRIOTA, Rosangela (org.). Política, Cultura e Movimentos Sociais: contemporaneidades historiográficas. Uberlândia, UFU, 2001.
[4] Formado em Química Industrial é com o intuito de fazer uma Especialização em Engenharia Química que Boal vai aos Estados Unidos. Sua estadia se pautou também no aprendizado da arte teatral, estudou dramaturgia, direção e história do teatro tendo contato com autores como Arthur Miller e Tennessee Willians.
[5] A peça Eles não usam Black-tie, narra a repercussão da greve em uma família de operários. Pai e filho encontravam-se trabalhando na mesma fábrica, porém, com posições diferentes, o pai, militante e de acordo com o movimento incitava os companheiros a aderirem, consciente que aquele era o verdadeiro caminho para o fim da exploração. O filho, ao contrário, trai o movimento denunciando os companheiros, tornando-se o traidor e inviabilizando a luta. O conflito entre pai e filho é didático, no sentido de conclamar a conscientização do operariado, em dizer que a greve é um movimento justo e que o dedurismo só adia melhores condições de trabalho.
[6] O TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) desde 1946 reúne grupos amadores com o intuito de apresentar peças para uma elite paulista, mas é no ano de 1948 que seu idealizador Zampari e Francisco Matarazzo Sobrinho concretizam a idéia de manter uma sede permanente para as apresentações dos amadores. Sendo assim, em 1948, o industrial italiano Franco Zampari, partindo da experiência artística de vários grupos amadores representada por um início de elenco e um pequeno núcleo de público interessado no novo teatro aliada à experiência comercial do próprio Zampari, cria em São Paulo o Teatro Brasileiro de Comédia, inicialmente, na rua Major Diogo.
O TBC tornou-se um marco decisivo na conceituação histórica do teatro brasileiro. Em pouco tempo, chegou a ter o melhor elenco jovem do país, em que se distinguiam Cacilda Becker, Tônia Carrero, Fernanda Montenegro, Sérgio Cardoso, Jardel Filho, Walmor Chagas, Ítalo Rossi e muitos outros. A encenação estava confiada a europeus e, em certos momentos, até quatro deles se alternavam nas montagens: Adolfo Celi, Luciano Salce, Ruggero Jacobbi, Ziembinski, Flaminio Bollini Cerri, Maurice Vaneau, Alberto D’Aversa e Gianni Ratto.
As premissas do conjunto eram a implantação de um teatro de equipe, em que todos os papéis recebiam o mesmo tratamento, e se valorizavam igualmente a cenografia, a cargo de Aldo Calvo, Bassano Vaccarini, Túlio Costa, Gianni Ratto e Mauro Francini; e a política do ecletismo de repertório, revezando-se no cartaz Sófocles, John Gay, Goldoni, Strindberg, Shaw, Pirandello, Tennessee Williams, Arthur Miller e Sauvajon, Sardou, Roussin, Barillet e Grédy, Jan de Hartog e André Birabeau, entre muitos outros.
O TBC propiciou o desdobramento de outros grupos que nele iniciaram suas carreiras artísticas como a Cia. Nydia Lícia-Sérgio Cardoso, a Cia. Tônia-Celo-Autran, o Teatro Cacilda Becker e o Teatro dos Sete (Maria Della Costa. Também o Teatro de Arena e o Oficina, partiram dela, ambos trabalhariam a princípio com um esquema de maior economia. O Arena aplicava, numa produção, na qual representava a décima parte do capital despendido pelo TBC. O repertório eclético e os espectadores, contudo, vinham da mesma fonte do TBC.
Na última fase, o TBC alterou suas diretrizes, confiando as encenações aos brasileiros Flávio Rangel e Antunes Filho, além do belga Maurive Vaneau, e o repertório privilegiou os dramaturgos nacionais Dias Gomes, Jorge Andrade e Gianfrancesco Guarnieri, quando, antes, o autor da casa havia sido Abílio Pereira de Almeida
[7] As décadas de 1940 e 1930 são marcadas por uma euforia na crença do progresso e desenvolvimento das sociedades Brasileiras. Estas ideias vão se concretizar no Governo de Juscelino Kubischek (os cinquenta anos em cinco), que por meio do seu Plano de Metas que tem por lema a promoção do “progresso” da nação brasileira materializado na construção de Brasília, na abertura de rodovias em todo o país, no desenvolvimento de indústrias de base (aço e automóveis) e na construção de hidrelétricas. É interessante notar que Juscelino consegue cumprir grande parte do seu Plano de Metas, não cumprindo “somente” o que dizia respeito à educação e alimentação.
[8] VIANNA FILHO, Oduvaldo. Um pouco de Pessedismo não faz mal a ninguém. PEIXOTO, Fernando. Op. Cit. p. 120-130.
[9] Chapetuba Futebol Clube foi a segunda peça de Vianinha escrita em 1958.
[10] A idéia inicial do Centro Popular de Cultura foi incentivada com a montagem da peça de Vianinha “A Mais-Valia vai acabar Seu Edgar” momento em que se aproxima do ISEB, principalmente de Carlos Estevam Martins. Assim “foi dessa associação e das preocupações comuns desses jovens intelectuais que surgiu a idéia do CPC da UNE” (declaração de Estevam e BerlinK – retirada de PEIXOTO, Fernando. Op. cit. p. 97.) a ligação com a UNE (União Nacional dos Estudantes) acontece posteriormente. Nas atividades do CPC, além do teatro foi desenvolvido um rico material para cultura brasileira: filmes como o Cinco Vezes Favela, livros de poesias como Violão de Rua, textos teóricos de Vianinha e Ferreira Gullar (deste último vale consultar Vanguarda e desenvolvimento e Cultura posta em Questão), além da produção musical, cursos, seminários. O CPC tornou-se itinerante por todo o país, fazendo com que outros CPCs fossem criados em diferentes cidades. Com o Golpe de 1964 e o incêndio provocado na UNE o CPC encerra suas atividades.
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