Por Laércio Júlio da Silva – Jobi.
“O indivíduo tem dois olhos, o Partido tem mil olhos…”
– Poema “Elogio do Partido”. Bertold Brecht.
Segundo o último relatório do Departamento de Organização do Comitê Central do Partido Comunista Chinês (PCC), em 5 de junho desse ano, a organização partidária contava com 95.148 milhões de membros. Em 1º de julho de 1921, quando o PCC foi fundado, tinha pouco mais de 50 membros. O número atual é 20 vezes maior que em 1949, ano em que a República Popular da China (RPC) foi fundada pela conquista de seu povo e sob a liderança do “grande timoneiro”, o Camarada Mao Tsé Tung ajudado por outros abnegados libertadores.

Tudo na China é grandioso, e no sentido do número de filiados o PCC não poderia se diferenciar em um país com mais de 1,4 bilhão de pessoas. Atualmente é o maior partido no poder no mundo e desfruta de grande prestígio internacional.
Essa amplitude do PCC deve ser compreendida criticamente. Não podemos ignorar o fato de que entre esses filiados se encontram aqueles que almejam poder e influência no Estado e no mercado, sejam tecnocratas ambiciosos de poder ou mesmo burgueses interessados em ampliar seus empreendimentos e liberalizar ainda mais o mercado. Todavia, trata-se de uma força social impressionante, contando também com grande representação política de dirigentes e militantes com enraizamento junto a operários, camponeses e demais camadas populares.
A grande centralização do poder no Estado – cuja origem remete a mais de 5 mil anos de história – e no PCC – que efetivamente concentra o poder de gestão do Estado desde a Revolução Chinesa de 1949 – trouxe para essas instituições magnas da China praticamente toda a representação de classes e segmentos sociais. Do que decorre que a luta de classes na China ocorre com grande intensidade tanto na sociedade de uma forma geral quanto na disputa pela representação e direcionamento político do Estado e do PCC.
Ainda no que concerne ao PCC, ele está formalmente organizado com base no Centralismo Democrático, um princípio concebido pelo grande estadista e teórico marxista russo, fundador da primeira experiência socialista na extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), Vladimir Lenin; método que implica no processo de discussão democrática e transparente sobre as decisões políticas se pautando necessariamente pela unidade de ação.
A Constituição Chinesa descreve o sistema político como multipartidário sob a liderança do PCC. Para quem não sabe e pode até se espantar, a RPC não é um sistema unipartidário, pois conta com mais 8 partidos menores com representantes no Congresso Nacional do Povo. Além disso, é permitida a eleição sem filiação partidária!
O PCC formulou a “via chinesa” para a construção do socialismo, baseado na realidade nacional e guiado pela enorme contribuição teórica organizada pelo fundador da RPC, o marxista-leninista Mao Tsé Tung. Para trazer à tona alguns elementos acerca desta “via”, deve-se partir das condições sociais e históricas em que foi proclamada a República Popular da China em 1º de outubro de 1949.
O País era uma das nações mais miseráveis do mundo: símbolo da fome, mortalidade, vício e negócios escusos. Invadido por ingleses, portugueses, japoneses, franceses e estadunidenses, a China era um país sistematicamente subjugado ao imperialismo. Os chineses eram impedidos de participar da política por um governo fantoche apoiado fortemente em um regime monárquico e em um sistema feudal alicerçado nos ‘mandarins’. Os mandarins eram senhores feudais territoriais que apoiavam a monarquia, donos de tudo na sua jurisdição, incluindo as pessoas e suas vidas. Em 1934, aproximadamente 100 mil homens, reunidos entre 56 etnias, organizados pelo PCC no Exército Vermelho percorreram o território chinês, guerreando em batalhas literalmente sangrentas e organizando a população, mobilizando multidões de camponeses com a promessa de coletivização do campo e implantação de um sistema socialista inspirados na vizinha e jovem União Soviética. “A Grande Marcha” como ficou conhecida, dominou finalmente Pequim, e em 1949, o PCC conquistava o poder sob a liderança do aclamado Camarada Presidente Mao Tse Tung e outros líderes históricos como Chu En-alai, Lin Biao e Deng Chiao Ping.
A “via chinesa” para a construção do socialismo teve como referência primeira a experiência soviética da Nova Política Econômica (NEP), inicialmente concebida sob fortíssimo controle do mercado, com grande acumulação de excedentes no campo, orientados, entre outros objetivos, para subsidiar a industrialização e a superação da degradante situação social. O governo socialista inicia de imediato um grande projeto de transformação na política e na economia conhecido como o Grande Salto para Frente. O projeto cumpriu em grande medida o que foi prometido na luta revolucionária realizando uma reforma agrária coletivista e, ao mesmo tempo, lançando as bases de um amplo processo de industrialização do País. O projeto também materializou a criação de leis e programas lançando as bases para a solução das gritantes deficiências de emprego, moradia e saúde vividos por amplas camadas populares chinesas.
No final dos anos 1970, após intensa luta interna no âmbito do PCC e do Estado, foram vitoriosas as posições que comandaram uma profunda transformação em relação aos princípios e políticas que haviam norteados o Grande Salto para Frente. A China flexibilizou profundamente a sua economia em favor de empreendimentos privados, bem como foi abrindo a sua economia a investimento direto estrangeiro (IDE), geralmente articulados a capitais chineses estatais e privados. Sobretudo a partir dos anos 1990, teve curso a sedimentação de aspectos referentes a modos de vida e de consumo típicos de formação social capitalista.
Enfim, sob a forma ultra controlada do estado no chamado Grande Salto para Frente ou de profunda flexibilização em prol de empreendimentos capitalistas e abertura ao investimento estrangeiro atualmente em curso, criaram os alicerces econômicos, tecnológicos e científicos do que a China representa hoje: o PIB que mais cresce no mundo; mas com contradições e conflitos sociais que envolvem a disputa em torno dos excedentes socialmente produzidos e da própria representação política.
Xi Jinping, secretário-geral do Comitê Central do Partido Comunista Chinês (PCC), presidente chinês e presidente da Comissão Militar Central, fez em Beijing no último dia 1º de julho, um discurso em uma cerimônia de celebração do centenário do PCC, que apontava para “a capacidade do Partido e as forças do socialismo com características chinesas, provas inequívocas que o Marxismo funciona. O sucesso da China depende do Partido.”
Esta afirmação de Xi Jinping deve ser apreendida criticamente. A luta de classes na China, atualmente em curso na sociedade, e por continuidade, no Estado e no PCC, aprofundam contradições e impulsionam conflitos sociais em torno dos excedentes socialmente produzidos e da representação política, cujo desenlace seguramente não é previsível. Como comunistas, devotos do internacionalismo proletário, nos empenhamos para que os desenlaces das contradições sociais se resolvam na China em favor dos operários, camponeses e demais camadas populares. Portanto, diferente daquele que teve curso na União Soviética e no Leste Europeu dos anos 1970 aos anos 1990.
Na atualidade, a China, principal parceiro comercial do Brasil, alcançou seu lugar como principal parque industrial e de inovação tecnológica no mundo. Para muitos e muitas a “via chinesa” ergue os paradigmas de uma nova sociedade socialista, com destaque para a ciência e educação, e a busca por tecer relações internacionais calcadas na resistência ao imperialismo euro-americano e de irmandade entre os povos. Certamente, devemos ter parcimônia com relação a “via chinesa” de construção do socialismo, buscando uma análise crítica, fundamentada no materialismo histórico e em uma profunda e minuciosa compreensão da formação social e histórica da China – o que requer um exercício de exegese que seja capaz de incorporar, na investigação da formação social e histórica da China, um certo desvencilhamento do condicionamento que o processo histórico euro-ocidental exerce sobre nosso pensamento. Essa análise crítica ainda está por ser realizada pela esquerda brasileira.
Apesar das investidas do governo de extrema-direita do Brasil, Xi Jinping afirma que “nunca intimidamos, oprimimos ou subjugamos o povo de qualquer outro país e nunca o faremos.” Os recentes avanços que a China alcançou no sentido da superação da extrema pobreza e da fome, ao qual se soma a grande capacidade de responder rapidamente e controlar a ameaça da pandemia de Covid-19, são exemplos extraordinários que esse país legou ao mundo. Xi Jinping ressaltou que os esforços para manter e desenvolver o socialismo com características chinesas devem continuar. Assim, segundo ele, o Partido teria criado “um novo modelo para a civilização humana”.
Em que pese a existência de uma polifonia em relação à “via chinesa” e ao suposto “novo modelo para a civilização humana”, considero que o governo popular chinês – com reconhecimento da nossa parte das contradições sociais sobre as quais ele se apoia –, segue superando e respondendo com firmeza aos ataques encaminhados por parte do imperialismo euro-americano e seus capachos de extrema direita à frente de governos de países capitalistas periféricos e dependentes. Aliás, esse é o comportamento da extrema direita brasileira atualmente no poder, que integra na sua política sanitária genocida, discursos insanos e mentirosos voltados para difamar a forte potência chinesa e seu Partido com milhões de olhos atentos.