Escrito por Frederico Figueiredo e Laércio Júlio da Silva (Jobi)
“Lo que brilla com luz propia nadie lo puede apagar
Su brillo puede alcanzar La oscuridad de otras costas”
(Canción Por La Unidad Latinoamericana – Pablo Milanés)

Os recentes protestos em Cuba, clamando por liberdade, pátria e vida correram o mundo nesta semana. As cenas de cubanos tomando as ruas foram retratadas como se houvesse um apoio massivo à derrubada do Estado socialista caribenho, no entanto, o número de manifestantes, o embargo, a ingerência estadunidense buscando insuflá-los e as manifestações de cubanos em defesa da revolução contam uma história diferente.
Estima-se que, somando-se todas as manifestações ocorridas na ilha, cerca de 5 mil cubanos tenham saído às ruas, de um total de 11 milhões de habitantes. Ainda que parte desses manifestantes tenha saído legitimamente a protestar, considerando-se a grave situação econômica da ilha, agravada pelo fortalecimento do embargo na era Trump – mantido por Joe Biden –, e pela pandemia, que secou a segunda principal fonte de ingressos no país, o turismo, levando-os a perder 11% do PIB em apenas um ano[1], não se pode deixar de notar o histórico da política externa estadunidense para o país que, para além do bloqueio de 60 anos, aproveitou e aproveita cada momento de crise, como o período especial nos anos 1990[2], e agora a pandemia, para tentar derrubar a democracia socialista cubana.
As relações entre Estados Unidos e Cuba, mesmo em seu melhor momento, durante o governo Obama, seguem marcadas pela intenção constante de promover uma mudança de regime na ilha, conforme explicita o comunicado emitido pelo próprio Departamento de Estado, em dezembro de 2014: “it’s just not rational to continue doing the same thing in the expectation of obtaining a different result.”[3] Em tradução livre: “simplesmente não é racional continuar fazendo a mesma coisa na expectativa de se obter um resultado diferente.” Joe Biden, vice de Obama à época, retorna agora com uma política semelhante para o país, caracterizada por um marcado intervencionismo “humanitário” como evidencia o incondicional apoio aos protestos sem sequer tocar no tema embargo como a principal razão para a situação econômica em que se encontra o país. Para tanto, foi criado o slogan/hashtag “#SOSCUBA”. Justificam o apoio como uma defesa dos direitos humanos e da democracia liberal[4]. Em realidade, trata-se principalmente de interesses econômicos e de um longo ressentimento perante o único país latino-americano que ousou e logrou destituir de seu território o domínio econômico e político dos EUA, instalando uma democracia socialista a 150 km de sua costa, rompendo com quase 200 anos de Doutrina Monroe[5] para o hemisfério.
Em audiência pública do assessor de imprensa do Departamento de Estado[6], realizada em 13 de julho de 2021, assumem abertamente que o governo dos EUA dedicam 20 milhões de dólares por ano, desde 2009, para “programas de apoio à democracia” em Cuba, sendo a maior parte desses recursos destinados à USAID[7], meios de comunicação na Flórida e agentes em Cuba, contra o Estado socialista cubano:
“MR PRICE: Bem, o que Jen estava se referindo ontem era o fato de que fornecemos fundos de apoio econômico para programas de promoção da democracia em Cuba em uma base anual, e esse montante é de US $ 20 milhões por ano há vários anos. E agora esses programas financiados pelos EUA, eles são – eles vão para o financiamento de transmissões [de rádio, televisão ou internet] … Bem, é claro, não estamos fornecendo nenhum financiamento diretamente para o governo cubano. Muitas vezes, como você sabe, trabalhamos por meio de parceiros locais. Para obter detalhes adicionais, você pode entrar em contato com a USAID para saber como eles o administram.” [8]
Contudo, a mera suspeita de ações semelhantes em seu território, como foi o caso da alegada intervenção russa na política norte-americana, gerou profunda indignação de seu establishment político, com retaliações em forma de sanções e provocações militares à Rússia.[9]
O povo cubano não é representado por aquela minoria que saiu às ruas, admiradores e/ou manipulados pelo império norte-americano. O que realmente se destaca no sistema socialista cubano são os seus heróis combatentes da Revolução Cubana iniciada em 1959, as inúmeras conquistas sociais alcançadas desde a revolução e os médicos que atuam em diversos países do Mundo atendendo às camadas populares. Não por acaso, atualmente cientistas cubanos desenvolveram uma vacina contra a Covid genuinamente nacional – a vacina “Soberana”, como é chamada, que tem uma eficácia de 91,2%, conforme informou o Doutor em Ciências Vicente Vérez Bencomo, diretor do Instituto Finlay de Vacinas (IFV), para servir à população cubana e às camadas populares de países capitalistas periféricos que não vão poder pagar pelas vacinas dos laboratórios multinacionais. Enfim, Cuba segue reafirmando a tradição internacionalista presente na Revolução Cubana.
A grande imprensa a serviço do imperialismo e do capital financeiro, juntamente com o governo estadunidense, estão “preocupados” com o povo Cubano? O fato é que se estivessem realmente preocupados já teriam revogado o bloqueio econômico imoral que persiste a mais de 60 anos, uma tentativa genocida de colapsar a Revolução Cubana e estrangular o corajoso povo cubano que se insurgiu contra o império.
Ainda em 2019, antes da pandemia, o Projeto de resolução “Necessidade de pôr fim ao bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos da América contra Cuba”, na 74ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, atestou:
• O bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelo governo dos Estados Unidos da América a Cuba a mais de seis décadas é o sistema mais injusto, severo e prolongado conjunto de sanções unilaterais já impostas a qualquer país no Mundo.
• O Departamento de Estado norte-americano ampliou em três ocasiões a “Lista Restrita de Entidades e Sub-Entidades Cubanas” sujeita a sanções adicionais. Essa medida causou danos consideráveis à economia do país ao intimidar empresas internacionais.
• Em 17 de abril de 2019, o Departamento de Estado norte-americano anunciou sua decisão de ativar o Título III da Lei Helms-Burton para permitir a apresentação de reclamações nos tribunais norte-americanos contra empresas e indivíduos, cubanos e de outras nacionalidades, que fizessem negócios com empresas nacionalizadas na década de 1960. Essa decisão encerrou a prática de suspender essa opção por um período de seis meses, assumido desde 1996 pelas administrações anteriores dos EUA e pelo próprio presidente Trump nos primeiros dois anos no cargo.
• Desde a implementação desta decisão, as atividades econômicas de Cuba foram severamente afetadas, especialmente as relações cubanas com parceiros e investidores internacionais. Nenhum cidadão ou setor da economia escapa aos efeitos negativos dessa política unilateral que dificulta o desenvolvimento, ao qual todos os países têm direito, construído de maneira soberana.
• Além disso, estão incluídas as disposições do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) do Departamento do Tesouro e do Gabinete de Indústria e Segurança (BIS) do Departamento de Comércio para eliminar, em 5 de junho de 2019, licenças gerais para as viagens educacionais e proibir estadias temporárias em Cuba por aviões não comerciais, navios de passageiros e de lazer, incluindo navios de cruzeiro. Esta medida, além de limitar severamente as viagens dos cidadãos norte-americanos a Cuba, visa causar danos econômicos e privar Cuba de recursos financeiros.
• A atitude do governo dos Estados Unidos é um insulto à comunidade internacional que há 27 anos consecutivos condena o bloqueio de Cuba no âmbito das Nações Unidas. Ignora as sucessivas resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas e as declarações dos chefes de Estado e de governos da União Europeia, América Latina e Caribe, União Africana, Comunidade dos Estados da América Latina e do Caribe (Celac), Grupo dos 77 e China e Movimento dos Não-Alinhados, entre outras organizações que exigiram o fim do bloqueio de Cuba.
• A política de bloqueio contra Cuba continua representando um impedimento ao desenvolvimento do potencial da economia cubana; à implementação do Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social; e à consecução da Agenda 2030 e seus objetivos para o Desenvolvimento Sustentável.
• O bloqueio é uma violação em massa, flagrante e sistemática dos direitos humanos de todos cubanos e todas cubanas. Por causa de seu objetivo declarado e da estrutura política, legal e administrativa sobre a qual é sustentada, essas sanções se qualificam como um ato de genocídio, de acordo com a Convenção sobre Prevenção e Punição do Crime de Genocídio de 1948 e como um ato de guerra econômica, de acordo com a Conferência Naval de Londres de 1909. Além disso, viola a Carta das Nações Unidas e o Direito Internacional.
• Os Estados Unidos devem, sem quaisquer condições, pôr fim ao bloqueio injusto que por mais de 60 anos causa sofrimento ao povo cubano. Cuba reitera sua gratidão permanente à comunidade internacional por exigir o fim dessa política ilegal, genocida e extraterritorial.
Segundo dados da chancelaria cubana, devido ao aumento do bloqueio, cerca de 1.748.300 estadunidenses deixaram de se deslocar ao país, entre abril de 2019 e março de 2020, o que causou graves prejuízos a milhares de trabalhadores do setor de serviços (fonte: Granma).
O novo governo Democrata de Joe Biden continua ignorando os apelos da comunidade mundial. Em essência, mantém a política de Estado do Império norte-americano, perpetuando o bloqueio.

A Ilha tem problemas, majoritariamente relacionados ao bloqueio, e opositores do regime alinhados aos Estados Unidos tentam se valer dessas dificuldades para criar um clima de instabilidade. O objetivo das provocações de um grupo de contrarrevolucionários é subverter a ordem enquanto Cuba luta não só contra a COVID-19, mas também e por mais de 60 anos, contra o bloqueio econômico-comercial e financeiro implementado pelo governo dos Estados Unidos.
[1] “Cuban Economy Shrank 11% in 2020, Government Says”. 2020. Reuters. https://www.reuters.com/article/cuba-economy-idUSL1N2IX1V9 (14 de julho de 2021).
[2] Durante o período especial nos anos 1990, quando Cuba perdeu seu principal parceiro comercial, a União Soviética, o PIB cubano reduziu-se em cerca de um terço em um intervalo de 2 a 3 anos.
[3] “President Obama’s New Cuba Policy Looks Forward, Not Back”. U.S. Department of State. //2009-2017.state.gov/secretary/remarks/2014/12/235458.htm (14 de julho de 2021).
[4] “Department Press Briefing – July 13, 2021”. United States Department of State. https://www.state.gov/briefings/department-press-briefing-july-13-2021/ (14 de julho de 2021).
[5] Anunciada em dezembro de 1823, afirmava “A América para os americanos”, que, em termos práticos, significou “A América para os estadunidenses”
[6] Op. Cit. Department Press Briefing – July 13, 2021.
[7] Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional.
[8] Idem.“MR PRICE: Well, what Jen was referring to yesterday was the fact that we do provide economic support funds for democracy promotion programs to Cuba on an annual basis, and that amount has been $20 million per year for several years now. And now these U.S.-funded programs, they are – they do go to broadcast funding… Well, of course, we’re not providing any funding directly to the Cuban Government. Oftentimes, as you know, we work through partners on the ground. For additional details you may want to reach out USAID for how they may administer it.”
[9] “US Imposes Sanctions on Russia over Cyber-Attacks”. 2021. BBC News. https://www.bbc.com/news/technology-56755484 (14 de julho de 2021).