48 ANOS DEPOIS: CADÊ “PROFIRO”?

Escrito por Laércio Júlio da Silva – Jobi

A democracia burguesa brasileira é restrita e tem suas peculiaridades. Uma delas é o total desprezo aos seus partidos políticos, bem como, sua organização. Por várias vezes ouvi de políticos tradicionais que partidos são meros “protocolos”, ou seja, somente uma regra obrigatória a ser seguida com o claro objetivo de alavancar interesses pessoais, já que os grandes interesses do povo e do País são obviamente deixados de lado. Num momento em que o chamado “Estado de direito” sofre violentos ataques por parte da extrema direita instalada no poder, as forças populares sentem a falta do que V. Lenin chamava de elementos subjetivos da mudança, no caso, os partidos políticos organizados e seus militantes ativos. Porém existem exceções, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) é uma organização partidária que tem orgulho de sua história e de seus militantes que deram a vida pela causa de um País justo e igualitário. Entre eles está o goiano José Porfírio de Souza (nascido na cidade de Pedro Afonso, quando ainda Goiás, atualmente Tocantins, em 1912 e presumidamente morto em 1973, já que faz parte dos inúmeros desaparecidos do período ditatorial), ou o “Profiro”, como é conhecido ainda na região de Trombas e Formoso. Segundo depoimento de sua camarada Dirce Machado da Silva, libertado em junho de 1973 em Brasília, almoçou com sua advogada, seguiu para Goiânia, pernoitando na casa de outro Camarada, tendo saído com destino a uma agência bancária para nunca mais ser visto.

Fica obviamente muito difícil em um pequeno artigo, enumerar os feitos desses camponeses semi-analfabetos, que resolveram ser sujeitos de sua história e de seu povo. José Porfírio e um grupo de camponeses colocaram em polvorosa a classe dominante da época, principalmente o latifúndio ruralista, herdeiro de métodos análogos aos escravocratas. Nos anos seguidos a 1950, a sua liderança se forjou na revolta camponesa dos vilarejos de Trombas e Formoso contra o assédio de grileiros que tentavam de todo o jeito se apropriar das terras devolutas ocupadas a anos por camponeses, entre elas, 20 famílias vindas com ele de sua cidade natal, Pedro Afonso, agregadas ao grupo no começo dos anos 1950. Entre 1954 e 1957, Porfírio era uma liderança reconhecida, ao lado de Camaradas como Dirce Machado, José Ribeiro e Geraldo Soarão, entre outros valorosos militantes, travaram batalha de resistência armada, após inúmeras tentativas legais buscando a titulação das terras.

A partir da presença do PCB, que desembarca na região em 1954, teve curso intensa politização dos camponeses e fundação da Associação de Lavradores, sendo Porfírio seu presidente. A Associação passa a dirigir o processo de organização e luta da região. Fazendeiros grileiros, que tinham a tradição de burlar a justiça com a ajuda de advogados, funcionários de cartórios e políticos tradicionais, e que estavam apoiados em jagunços contratados, são então vencidos e Trombas e Formoso – que durante o confronto foi uma espécie de território autônomo baseada em uma sociedade camponesa e comunitária – se transformou em uma das mais importantes experiências de luta pela terra no Brasil.

Toda a militância do PCB, com ajuda de intelectuais, estudantes e trabalhadores rurais, foi convocada a ajudar no sentido de promover, com o exemplo de Trombas e Formoso, a bandeira de luta pela reforma agrária. Esse tipo de organização influenciou as lutas camponesas a partir de então, sobretudo as Ligas Camponesas do final da década de 1950 e início da década de 1960.

Com o PCB na ilegalidade, Porfírio cumprindo uma “tarefa” partidária, se candidata pelo PSB e em 1962 vencendo com a votação expressiva de 4.663 votos as eleições para deputado estadual, ficando em segundo lugar no Estado. Apesar das tentativas de impugnação – Porfírio era investigado pelos confrontos armados –, foi um dos primeiros líderes camponeses eleitos no Brasil e fica um ano e três meses no cargo assessorado pelo escritor Bernardo Élis, também do PCB. Com a Ditadura Militar de 1964, é cassado pelo Ato Institucional nº 1, em sua primeira ação, tal a preocupação dos golpistas. José Porfírio virou uma espécie de ícone do anticomunismo em Goiás e os militares entenderam que tinham que eliminar esta figura do cenário político. Porfírio é citado em 17 processos da ditadura, e os que eram presos ligados de alguma forma Goiás e ao movimento camponês tinham que dizer se conheciam ou não Zé Porfírio.

Porfírio fugiu para o Maranhão, ficando foragido por 8 anos até ser preso, trocando tiros na Fazenda Riachão em Angelical no ano de 1972. Amarrado e espancado na frente de 8 filhos e esposa, ficou 6 meses trancafiado, sem acusação formal sofrendo seguidas torturas, sendo finalmente libertado em junho de 1973, para em poucos dias nunca mais ser visto. O caso foi investigado pela Comissão da Verdade, órgão que não interessa ao atual governo dominado pela extrema direita. 48 anos depois, a pergunta continua e não quer calar: “Cadê Profiro?”

Trombas e Formoso ficou na memória do estado de Goiás como um movimento vitorioso de reforma agrária forjado na luta. Impressionava pelo seu grau de organização e foi imediatamente reprimido e proscrito pelo Golpe Militar de 1964 sob violenta repressão direcionada aos camponeses e seus líderes. Porém, a lendária figura de Porfírio – e de seus camaradas – ficou impregnada no povo da região e se tornou muito conhecida no estado e no País. Lamentavelmente, as condições de vida da população campesina hoje se agravaram, amplas parcelas de seus descendentes compõem as grandes massas dos excluídos e marginalizados urbanos e a luta pela reforma agrária segue como uma bandeira empunhada por diversos movimentos do campo. Porfírio – e seus camaradas – representa não só uma liderança, como também a luta de cada posseiro e uma experiência, com elementos embrionários de poder popular, orientada por um partido de esquerda, o Partido Comunista Brasileiro, o PCB.

Para conhecer melhor a saga de José Porfírio, existe um documentário de Hélio Brito disponível no Youtube: “Cadê Profiro?

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