Mercado da Saúde e Aprovação do Rol Taxativo: a luta desesperada de quem necessita de procedimentos prestados por planos de saúde

por Alcides Pontes Remijo


No dia 8 de junho de 2022, várias organizações de mães e pais de pessoas com deficiência ou necessidade específica, como de crianças com autismo, paralisia cerebral, síndrome de Down, expressaram enormes preocupações. O motivo foi o julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que decidiria se o Rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) seria exemplificativo ou taxativo.

Essa questão demanda uma breve recuperação histórica. A inauguração da regulamentação dos planos e dos seguros privados de assistência à saúde correu por meio da Lei 9.656/1998, quando, no auge do ultraneoliberalismo de Fernando Henrique Cardoso, teve curso a criação de uma modalidade de comércio da saúde. Todavia, ainda faltava a criação de órgãos de fiscalização desse setor, sendo a questão resolvida pela promulgação da Lei 9.961/2000, que instituiria a ANS, com a responsabilidade de criar uma lista de procedimentos que os planos de saúde deveriam, por força do contrato, atender. Essa lista ficou conhecida como “Rol da ANS”.

Atualmente, o Rol da ANS cataloga em torno de 3.000 procedimentos, prevendo atendimentos médicos de profissionais da saúde, exames, procedimentos hospitalares e tratamentos medicamentosos ou terapêuticos. Todavia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que existam, com comprovação científica, em torno de 9.000 procedimentos. Dessa forma, eclodiu uma luta entre planos de saúde, interessados em restringir atendimento aos aproximadamente 3.000 procedimentos, e usuários, engajados em ampliar os atendimentos aos limites dos procedimentos reconhecidos cientificamente pela OMS e em elevar número de procedimentos discriminados no Rol da ANS. Efetivamente, os usuários passaram a conquistar procedimentos não listados no referido Rol mediante ações judiciais que obrigassem os planos de saúde a cobri-los.

As disputas judiciais entre usuários e planos de saúde chegaram a tal ponto que o STJ foi compelido a assumir a responsabilidade de arbitrar se o Rol seria taxativo – em que a lista é rígida e a cobertura se restringe unicamente aos procedimentos elencados nela – ou exemplificativo – em que a lista é apenas uma referência de procedimentos que todo e qualquer plano de saúde deve realizar. Nessa disputa, o relatório do ministro Luis Felipe Salomão, que previa o Rol como sendo taxativo, foi aprovado por 6 votos a 3.

Em ato contínuo, imediato após essa votação, os planos de saúde entraram na Justiça para cassar as liminares que favoreciam usuários e recorrer de decisões judiciais que consideravam onerosas. Já as guias com a finalidade de solicitar oxigênio para criança com paralisia cerebral e homecare passaram a ser negadas porque passou a vigorar o entendimento de que tais atendimentos não estariam contemplados no Rol taxativo. Tratamentos oncológicos também passaram a ser negados a partir do momento em que a droga utilizada na quimioterapia não encontrava listada no Rol da ANS.

Com essa decisão do STJ, caberá aos convênios cobrir apenas os procedimentos listados pela ANS. Antes, como a lista era considerada como guia, os pacientes conseguiam tratamentos fora dela se recorressem à Justiça. Com a mudança, se o procedimento não estiver no rol listado, não terá cobertura dos planos de saúde. E essa deve ser a orientação em todas as instâncias da Justiça, retirando a possibilidade de pacientes conseguirem os procedimentos, ainda que judicializem a causa.

O principal argumento utilizado pelo Relator foi o de que a atual indefinição criava uma insegurança jurídica e que muitas empresas e administradoras de planos de saúde poderiam falir. Nesse ponto, é imprescindível ir aos fatos: em 2020, esse mercado obteve R$ 17 bilhões de lucros. Durante a pandemia de Covid-19, esse lucro decaiu, mas o lucro per capita aumentou em face da redução do número de consultas, tratamentos e procedimentos.

Qual é o posicionamento dos comunistas acerca desse assunto? Qual é a relação estabelecida entre os planos de saúde e a classe trabalhadora?

Inicialmente, deve-se recuperar a afirmação ontológica de Marx e Engels, contida no Manifesto do Partido Comunista, segundo a qual a opressão e a exploração direta realizada pelo capitalista sobre o proletariado é acompanhada pela opressão e pela exploração que outras classes também realizam sobre esse proletariado, como o comerciante, o agiota, o locador imobiliário. Ou seja, no ato do consumo de seu salário, as forças do mercado e suas personas promovem uma expropriação que se estende para além da extração da mais-valia.

Na sociedade brasileira há, atualmente, 48.995.883 de usuários de planos de saúde – na sua grande maioria, integrantes da classe trabalhadora que se encontram no mercado formal de trabalho e/ou que possuem uma renda que os diferenciam dos demais irmãos de classe sob intenso aviltamento salarial e social. Por exemplo, os servidores públicos – exceto aquelas e aqueles que se ajustam mais como agentes do capital na reprodução do capital, como ocorre em instâncias superiores da Justiça e das Forças Armadas –, utilizam, em larga escala, planos de saúde.

Nessa mesma direção, estima-se que, em média, um terço dos planos sejam empresariais. Ademais, muitas trabalhadoras e muitos trabalhadores aderem de forma individual a planos de saúde para incluir seus familiares em atendimentos não oferecidos pelo Serviço Único de Saúde (SUS). Aqui entra o debate da luta de classes, haja vista que, neste momento, parte da classe trabalhadora com melhor condição salarial, capaz de lhe permitir contratar um plano para manter tratamento de saúde próprio e/ou de ente familiar, corre o risco de ter o atendimento suspenso ou modificado, caso este não esteja elencado no famigerado Rol da ANS.

Na medida em que o plano privado nega o atendimento a usuários como uma necessidade de qualidade de vida – é o caso das crianças com neurodiversidade cujas mães protestaram em frente ao STJ em defesa do tratamento de seus filhos –, estes terão que buscar o atendimento no SUS, inflando um sistema subfinanciado. Um detalhe a ser destacado é que, por escolha do Estado neoliberal, muitos tratamentos são conduzidos por instituições conveniadas aos SUS, mas não por agências públicas, a exemplo do tratamento de câncer, via de regra realizado por hospitais e fundações particulares.

Para os comunistas, esse mercado deve acabar? É óbvio que a resposta é sim. Na pauta comunista, o atendimento deve ser plenamente pelo SUS, com controle social por parte de trabalhadoras e trabalhadores. Todavia, há algumas mediações que devem ser observadas. Entre o atendimento de saúde posto e o programa do PCB e de outras forças socialistas, há um caminho árduo de criação do Poder Popular, no qual seja conquistada a desmercantilização da saúde como um processo de controle social do sistema de tratamento, prevenção e promoção à saúde.

Por agora, o imperativo é que o laissez-faire dos planos de saúde não continue. Por isso a compreensão é a de que o Rol da ANS deve ser exemplificativo, com vistas a evitar o impedimento ou a limitação de qualquer tratamento de saúde que esteja em curso e/ou que seja necessário promover.

A decisão do STJ será contestada mediante recurso jurídico ao STF. É fundamental, portanto, a mobilização dos movimentos e das entidades da classe trabalhadora para que essa decisão jurídica regressiva seja revista pelo STF.

Unamos classe trabalhadora, famílias e mães e pais para a derrocada do Rol Taxativo da ANS!

ROL TAXATIVO MATA E INCAPACITA!

ROL TAXATIVO É A GARANTIA DO LUCRO ACIMA DA VIDA!

PELO FIM DO MERCADO DA SAÚDE!

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